A exploração do sexo como atividade comercial, e em troca de pecúnia é
antiga, talvez coincidindo com a socialização da raça humana, no conceito de
civilização e na busca de uma perfeição a imagem de deus. No conceito de
pessoas que desconhecem o assunto, ou mantiveram um contato superficial com o
problema, inicialmente, levantar-se-á a certeza de que o mesmo é uma afronta à
religião (ao cristianismo, em particular)
e uma agressão extrema a evolução da humanidade, sob quaisquer parâmetros.
Todavia, aclarada as dúvidas dos neófitos e desconhecedores da história da
civilização, acalmado os ânimos, a exaltação e silenciado os anátemas dos
doutores da Igreja Católica, além de curiosas interpretações dos seus teólogos,
ver-se-á que essa Entidade não só fomentou o meretrício, como o planificou e o
explorou em proveito próprio. Antes de qualquer
coisa, este Autor deixa bem claro que não tenciona arremeter sobre os arroubos
de fé, ou abismos insondáveis da ignorância total, de seguidores contritos e
devotos a toda prova. Absolutamente não!
Contudo, é chegado o tempo de se transmitir informações fidedignas às pessoas
interessadas pela verdade, aos poucos estudiosos e pesquisadores que têm soberania
de pensamento e que, desde o alto de suas inquietudes, saberão ler o conteúdo
deste ensaio sem pestanejar, sem surtos histéricos ou grandes escândalos.
É perfeitamente concebível e explicável, que depois de
séculos de mentiras e desgraças, depois de esperanças frustradas e terrores
introjetados, depois de anos de conspiração contra a saúde mental das pessoas,
a realidade caia sobre os beatos mais alienados como uma bomba. No entanto, é
só respirar fundo, parar, reler o texto e raciocinar sem paixão, ou influências
nefastas, que tudo voltará ao normal. Nessas alturas, talvez o leitor desperte
de um sono letárgico e passe a ver e analisar as coisas, mais demoradamente,
ouvindo a voz da razão, que tem clamado em vão, por seu lugar de origem.
Afinal, não é possível mentir-se durante tanto tempo, uma vez que a omissão da
verdade vai se tornando insustentável. No interior dessa obra, consta uma citação
do Presidente
Americano Abraham Lincoln, que
além de providencial
é proverbial, principalmente
na abordagem presente.
“Pode-se enganar
alguns durante
todo o tempo,
pode-se enganar todos
por algum
tempo, mas
não se pode enganar
a todos durante
todo o tempo”,
uma vez que
a omissão da verdade
vai se tornando insustentável.
Retornando ao relato e retomando o fio da meada, essa afirmação dura (fomento, planejamento e exploração),
todavia inequívoca está contida em registros históricos, de autenticidade comprovada,
datados de quase ou mais de um milênio. Entretanto, e por incrível que pareça,
esta denúncia de um cinismo e perversidade abissais não partiu do revanchismo
de nenhum pesquisador suspeito, inimigo declarado da Igreja, de forma alguma (não)! Contudo, nasceu
da pena isenta de João de Bonnefon, um talentoso escritor, católico praticante,
cuja ortodoxia nunca foi posta em dúvida, por pessoas físicas ou jurídicas, de
sua época e no futuro. Este reconhecido e laureado publicista cristão escreveu
em “La Raison”, de agosto de 1908, confiramos:
"A
prostituição regulamentada é uma instituição católica. Os papas, soberanos
temporais, soberanos espirituais fomentaram praticamente o desenvolvimento
legal da prostituição. O primeiro lupanar pontifical foi estabelecido por Bento
IX. As senhoras (ou prostitutas; o grifo é deste Autor) deviam todos os dias
assistir, muito cedo, a uma missa especial. Os clérigos, prelados e nobres não
deviam ser recebidos a não ser que estivessem munidos de um indulto. A casa
devia estar fechada na Semana Santa. A tarifa era modificada segundo as festas
da Igreja, sendo mais elevadas nos dias santos. A
senhora, depois de suas despesas todas pagas, devia dar um terço de seus lucros
ao Esmoler Pontifício e outro terço ao Mordomo de Sua Santidade. O último terço
era reservado à diretora, para as despesas de seu zelo".
Essas informações, ou revelações de
suma importância foram transmitidas por um insuspeito simpatizante do papado (João de Bonnefon), na primeira década
do século XX, não merecendo nenhum desmentido, ou explicações por parte da
Igreja. Na publicação do ensaio, “A
Igreja e a Prostituição”, o professor C. Bernesi retroagiu o seu trabalho
de pesquisa até o início do século X, ou o final do primeiro milênio da Era
Comum/EC, contribuindo de maneira soberba no esclarecimento de um
assunto, no mínimo polêmico, mas verdadeiro:
O cardeal
Barônio, o grande analista da Igreja falando dos papas do século X, exprime-se
assim, relativamente ao ano 912: “Mais horrível que nunca era então o aspecto
da Igreja! As cortesãs mais degradadas e as mais poderosas dominavam Roma e a
seu talante, distribuíam bispados ou demitiam os bispos: e, o que é mais
horrível de dizer e de explicar, colocavam na cadeira de São Pedro, os seus
amantes, falsos pontífices que só devem figurar no registro dos papas para
efeitos cronológicos”.
Num assento datado do século XIII, referente à prostituição, o bispo de
Mendes, Guilherme Durantis registrou a posteridade, que em Roma, as mulheres
públicas (prostitutas) residiam
próximas as igrejas e na vizinhança do palácio papal e da morada dos bispos.
Complementando essa valiosa informação, acrescentou que os cortesãos do papa as
visitavam com grande assiduidade. Nesses mesmos termos, o sacerdote jesuíta
Xavier Bettinelli, comenta sobre a corte papal em Avinhão: “Era um concurso de belezas célebres que se ofereciam em espetáculo,
muitas vezes por dinheiro”. O famoso poeta Petrarca, um contemporâneo deste
período, que ficou conhecido na história, como o Cativeiro Babilônico da Igreja, contribuiu com algumas anedotas
deprimentes, que exprimem o tamanho da gandaia em tal ambiente:
“Mesmo
contando mais de setenta anos, numa certa noite, o papa Clemente VI acometido
por forte excitação, manda um subalterno procurar uma bela rapariga, a fim de
satisfazer-lhe o desejo carnal (nada com o mundo celeste). A prostituta
contatada acorre, sem delongas, a residência indicada, pensando tratar-se de um
jovem prelado, e a certeza de uma noite inolvidável e muito dinheiro na bolsa.
Todavia, para sua grande surpresa, é introduzida no quarto do papa, e, ao invés
de um mancebo depara-se com um homem velho, com a idade de ser seu avô.
Olhando-o indignada, grita que foi enganada e não quer nada com o tal ancião. O leitor já imaginou, o quadro horripilante, representado por um idoso
nu, de barriga grande, pelancas em abundância, corpo flácido, braços e pernas
finas, veias saltadas e bafo de onça? O
velho pontífice luta mas em vão! Finalmente retira-se para um gabinete
contíguo: reveste-se com os paramentos pontificais, coloca a tiara e nesse
aparato apresenta-se à rapariga, dizendo- lhe: Recusarás resistir ao Soberano
Pontífice? Ela então cede. Pode contar-se por milhares as aventuras deste
gênero”.
Continuando nesse mesmo diapasão, torna-se de bom alvitre levar ao
conhecimento do leitor, as crônicas sobre os Concílios promovidos pela Igreja,
uma vez que eles fornecem subsídios importantes, sobre o que representava a
corte pontifical e o que foram as cortes dos altos dignitários eclesiásticos
pertencentes à Entidade. A realização do Concílio de Constância determinou a
ida para esta cidade, de nada menos, que 450 cortesãs (prostitutas), para satisfação (carnal)
de uma grande leva de prelados, conforme o registro de um contemporâneo, do tal
evento. O Papa Inocêncio IV, juntamente com sua corte deslocou-se para Leão, na
França, aí realizando um Concílio-Geral, no ano 1251. Sobre as grandes
repercussões desse encontro entre religiosos, na discussão de assuntos
imanentes a sua Igreja, o monge beneditino e também historiador, Mateus Parigi,
anotou uma verdadeira pérola, como testemunho para a história. Por ocasião do
encerramento dos trabalhos, e antes de deixar a cidade, o papa encarregou um
cardeal, no sentido de agradecer a população, o acolhimento que lhe fora
proporcionado, a si e a sua corte. O incumbido por tão gratificante tarefa,
depois de ter reunido as personagens da urbe fez-lhes um discurso inflamado, no
qual acrescentou entre muitas coisas:
“Meus
queridos amigos, entre outras vantagens que a vossa cidade recebeu com a
permanência da corte pontifical, é preciso que não se deixe de mencionar o
progresso dos bons costumes e da moralidade pública. Quando viemos aqui, havia
três ou quatro casas habitadas por mulheres de má vida; agora deixamos apenas
uma: estende-se da porta oriental à porta ocidental”. Bastante estranha e profética a
fala desse sacerdote, todavia, ele falava de um assunto, sobre o qual tinha
autoridade plena!
A Roma pontifical era uma cidade decadente e considerada por muitos, como
um imenso prostíbulo. Um cidadão que a visitou, no século XVII, escreveu esse
triste, mas autêntico registro pra posteridade: “Roma, vergonhosamente privada de navegação e de tráfico, seria a
cidade mais miserável da Itália sem a bicharia do clero, dos judeus e das
cortesãs que formam o conjunto da população”. Por ocasião do final do
século XVIII, conforme uma estatística confiável havia na Cidade, 6.800
prostitutas, enquanto o número total de moradores, fatalmente não ultrapassava
a casa dos 100.000 habitantes. A abertura de casas de tolerância não era uma
atividade estranha à Igreja Católica, uma vez que o registro contido na obra de
Cornélio Agripa de Netteshein, no seu livro De
Incertudine et vanitate scientiarum, afirma, sem margem pra dúvidas, que o
Papa Sixto IV (1471-1484) fundou em
Roma três lupanares, onde as prostitutas eram obrigadas a pagar-lhe por cada
semana, um júlio de ouro que lhe rendia por ano, vinte mil ducados.
O mesmo autor assegurou que o papa dava esses prostíbulos aos padres, como
benefício, e que ouviu falar de um prelado romano detentor de dois benefícios,
de uma paróquia de 20 ducados, de um priorado de 40 ducados e de três
prostitutas num bordel que a cada semana lhe entregavam 20 júlios. O pontífice
acima citado não foi uma exceção, uma vez que vários outros papas, também se
envolveram com a prostituição, regulamentando-a, e colhendo dela benefícios
para a Igreja, ou destinando-os para si. O papa Bento IX, citado pelo escritor
católico João de Bonnefon, concedeu o monopólio da prostituição a uma
penitente, de quem tinha sido confessor. Segundo o Breve Honestale, Bernesi relata as diretivas de Sua Santidade:
"...deu a
essa dama o direito de reunir, sob o mesmo teto, raparigas sãs, mas já afeitas
ao vício. A diretora era obrigada a mandar ouvir missa todas as manhãs, às suas
pensionistas. A missa era celebrada por um padre idoso, na igreja de Santa
Maria, um pouco antes da alvorada. As pensionistas da favorita de Bento IX eram
obrigadas, quando saíam, a vestir-se de negro e a por um véu que dissimulavam a
sua aparência. Na casa de tolerância podiam vestir-se com esmero, mas os seus
vestidos deviam ser ajustados e bem abotoados. Num compartimento do
rés-do-chão, a diretora podia oferecer aos clientes diversas pensionistas, ao
mesmo tempo, mas sua presença era indispensável a fim de que não faltasse às
leis da honestidade. Cada visitante só podia escolher uma mulher de cada vez.
Os quartos deviam ser hermeticamente fechados, de maneira que nenhum ruído se ouvisse
exteriormente e que as vozes não pudessem chegar até os habitantes das casas
vizinhas. O mesmo visitante podia apresentar-se duas vezes por dia, mas para se
isolar com a mesma mulher. Os clérigos, os prelados e os monsenhores só podiam
ser recebidos quando trouxessem um Indulto. A casa tinha três categorias e a
tarifa era proporcional às comodidades do quarto, à idade da mulher e ao grau
de dignidade do santo do dia. Nas grandes solenidades, as tarifas deviam ser
aumentadas, em proporções extraordinárias. Durante a Semana Santa a casa conservava-se
encerrada e a fachada de luto. A lista dos visitantes era rigorosamente
conservada. Um dos médicos do papa devia assegurar-se da saúde das mulheres com
decência, mas com exatidão. Não podia haver lá mulher que fosse irmã de um cardeal.
A igreja tirava rendimento desta casa. O regulamento era acompanhado de uma
tarifa que, infelizmente, está omitida (mas, é óbvio) dos autos pontificais. O
último parágrafo diz-nos que a mulher, depois de pagar suas despesas, devia dar
um terço do seu ganho ao mordomo de Sua Santidade, enquanto que o último terço
revertia para a diretora em recompensa de seu zelo".
Continuando nesse diapasão, onde a exploração da prostituição como
atividade comercial, não pode ser desvinculada do papado, mesmo pelo teólogo
mais ardente, o papa Júlio II, através de uma bula datada de 10 de janeiro de
1510, concedeu às prostitutas um bairro especial em Roma. Prosseguindo
na mesma tecla, Leão X publicou três regulamentos, para salvaguardar a decência
exterior e a boa ordem da confraria das prostitutas romanas. Finalmente,
Clemente VII ocupou-se da questão do testamento das prostitutas. Agindo nesse
sentido, obrigou-as a levar metade de
seus bens, ao convento de Santa Maria da Penitência. Entretanto, e
objetivando safar-se da perversidade desta doação obrigatória, as cortesãs
puseram suas economias em usufruto. Completamente vigilante, o papa
descobriu o subterfúgio e aplicou o Código Canônico 1398, contra os que
consentissem em tal fruição.
Por ocasião da venda de indulgências, pregadores eloqüentes e verdadeiros
manipuladores da razão, como o frade dominicano João Tétzel era bastante
específico, senão minucioso quando exortava os fiéis devotos e temerosos do
fogo do inferno, a adquirir tamanha joça:
"...Vinde
e eu vos
darei cartas munidas de selos, pelas quais
todos os vossos
pecados vos
serão perdoados, mesmos
os que desejais cometer
no futuro... As indulgências
salvam não só
os vivos, mas
também os mortos...”
Na pesquisa realizada sobre as
indulgências vendidas pela Igreja Católica, este Autor desconfiou desse pecado a ser cometido no futuro. Achou
que seu raciocínio era parcial, embora condizente com o pensamento de inúmeras
pessoas. Quando iniciou o trabalho sobre a prostituição, a mão encaixou na luva, perfeitamente, pois como se diz no vulgo a
Igreja faturava, lá e lô, ou dum lado
e outro. Ora, meu deus do céu, como a
coisa é simples, embora maquiavélica, confiramos:
“Conforme o relato de vários
autores, o papado usufruía com o comércio da prostituição e também vendia
indulgências, isto é, negociava pecado e perdão. Nesses termos, quando o
cristão tencionava ir ao bordel, praticar o sexo pago, comprava também as
indulgências; enfrentava a doença com o remédio na mão. Era simples, elementar;
santa gandaia nossa de todos os dias!
Segundo os registros de João de Bonnefon, comentados pelo professor C.
Bernesi, e a respeito das deliberações do papa Bento IX:
"...A
igreja tirava rendimento desta casa. O regulamento era acompanhado de uma
tarifa que, infelizmente, está omitida dos autos pontificais...” (Ora, mas é
óbvio – o grifo é deste Autor).
Em 1995, o Autor foi perseguido no
trabalho por um Coordenador insano. Convidado a prestar serviços noutro órgão,
peticionou a esse Chefe solicitando permissão. No entanto, decorrido longo
tempo, ao invés do sim ou não,
ficou atônito com um desabafo tolo (de
duas páginas) nas laudas do processo. Sem pestanejar, também se utilizou do
documento e respondeu-lhe em 4 laudas. O processo terminou na justiça, todavia,
o Coordenador intolerante, subtraiu essas peças, pois, seguro...! Nos autos pontificais em apreço deve ter ocorrido o mesmo!
O marechal de Roma (encarregado da
polícia urbana) recebia o aluguel das casas de prazer, e isto durou até 1870! Em 1556, por
ocasião de sua entrada em Roma, no comando do exército francês, o duque de
Guise enforcou o marechal atuante, sob a alegativa de que os seus subordinados
arrastavam soldados (castos, talvez!),
para lugares maus e nefastos à saúde.
Em meados do século XVI, o papado entrou em polvorosa, ante o risco de perder o
monopólio da prostituição, uma vez que mancebos da nobreza romana levavam para
suas próprias residências, as raparigas das casas públicas. Então, o papa
interveio, estabelecendo que quem fizesse sair uma rapariga de uma casa pública
seria punido: “com a amputação da mão
direita ou com o exílio” conforme a qualidade do culpado. Nos cabarés
atuais, os proprietários do negócio cobram alto pela saída de alguma pupila, antes do encerramento das
atividades da casa. Por conta disso, o cliente interessado em levar alguma
beldade para outro setor, revolta-se com a exploração do gerente ganancioso,
maldizendo a sua postura. Todavia, a partir de agora, fica esclarecido para o
leitor, que essa cultura foi introduzida por um papa, por um representante de
Cristo no planeta, sim, senhor!
Num espaço de tempo relativamente curto, os lupanares autorizados pelos Breves e Indulgências multiplicaram-se,
e no século XVIII, podiam ser contados vinte e dois prostíbulos criados e
protegidos por essas autorizações. O mais requintado de todos eles era destinado,
exclusivamente, aos nobres estrangeiros e
aos membros do corpo diplomático. Este recinto de alto luxo, nada ficava a
dever as modernas casas de prostituição, atualmente classificadas entre nós,
como lojas de drinks, massagens e tudo o mais, operadas por massagistas que
valorizam a profissão e, vez por outra, matam
o véio! A filosofia de trabalho utilizada em locais tão seletos, o leitor
que me desculpe o entusiasmo, mais obedecia fielmente a máxima: pra cavalo velho, o remédio é capim novo.
Justificando essa particularidade estratégica, o plantel de prostitutas
atuantes nas casas de lazer era composto de senhoritas oriundas da pequena
burguesia, e, sobretudo, da burocracia pontifical. As mais habilidosas e
fluentes eram encarregadas de fazer falar o cliente diplomata, revistando os
seus pertences ao primeiro vacilo da vítima.
No dia 27 de janeiro de 1779, o secretário da embaixada da França foi
despojado de toda a correspondência trocada entre o arcebispo de Paris e o
embaixador do rei. Nesse episódio, a Santa Sé além de se apropriar
indevidamente da documentação, teve também a audácia de se utilizar de alguns
tópicos da correspondência. Quando, fatalmente o escândalo veio à tona, o papa
foi forçado a restituir a correspondência, pedindo desculpas, a quem de direito.
Como a história é cíclica, e nada é invenção original, pois tudo se
repete com uma inexorável regularidade, vez em quando a crônica policial
informa essa ocorrência, principalmente no baixo meretrício, ou no chamado
submundo. Vez por outra a prostituta induz o velho aposentado a tomar um banho,
fugindo com o provento integral do pobre diabo. Em outras oportunidades,
adiciona um sonífero (que pode até causar
a morte do infeliz), no copo de cerveja do trouxa. Quando adormece, é
depenado de tudo, às vezes ficando apenas de cueca, e ainda recebendo o nome do
golpe, ou seja, “boa noite Cinderela”.
Num assento contido na obra, O Papa e o
Concílio. Vol. II. pág. 35, o primeiro papa João XXIII, que pontificou no
ano 1410, cobrava imposto das prostitutas incorporando-as no orçamento.
A descoberta de toda essa lama podre causa uma grande aflição,
principalmente nas pessoas de bem, justamente por se pensar que essa falta de
respeito era coisa de meliantes sem procedência e sem futuro, e não de pessoas
inteligentes, representantes de uma velha Entidade religiosa, inseridas no
poder e nas benesses do fasto, todavia, moralmente desfiguradas.
A trajetória da prostituição na cidade de Roma chamava a atenção da
sociedade da época, por vários aspectos, principalmente por essa cidade ser a
sede do papado, bem como, pelo envolvimento ostensivo da Igreja nessa atividade
degradante e criminosa. No entanto, essa situação promíscua era observada em
toda a Europa, e também no baixo clero, deixando óbvio que a prostituição era
uma indústria lucrativa e muitas pessoas estavam envolvidas no curso “normal” dessa profissão, que
indubitavelmente gerava ganhos, para um sem número de cafetões, na medida em
que jogava na sarjeta, uma porção de mulheres. No interior das ordens
monásticas, a depravação não tinha limites, uma vez que os conventos religiosos
eram os grandes lupanares, que balizavam a hipocrisia e representavam de forma
autêntica os costumes de uma época. Atrás da segurança e tranqüilidade desses
muros, ou nesses recintos, tidos como redutos da moralidade, os príncipes e
nobres mantinham enclausuradas, as
suas amantes, visitando-as naturalmente.
Entretanto, complementando essa informação inusitada e estranha, até
simples fidalgos, escudeiros, eclesiásticos e mercadores iam também a esses
locais escolher mulheres, para acompanhá-los por uns dias ou dormir com eles
uma única noite. Nos últimos séculos, essa peregrinação aos conventos era
feita, principalmente, por pretensos vates, que pretextando declamar loas, iam
na realidade combinar com as freiras suas entrevistas.
Obviamente existia “repressão legal”
a este estado de coisas, e isso era feito de forma ostensiva.
Um registro oficial dessas práticas escandalosas, bem como da legislação
criada em torno desses ilícitos foram acrescentados à história do período,
através dos assentos de autoria do Dr. Asdrúbal de Agum, em Portugal. No interior
do seu trabalho relatando essas ocorrências, esse autor cita quatro leis,
criadas no espaço de 68 anos, ou no lapso compreendido entre os anos 1603 a 1671, e destinadas a
coibir a devassidão nos conventos, através da aplicação da pena de morte. A
última dessas leis foi expedida pelo rei Pedro II, e além de abrangente é muito
expressiva, apesar das dificuldades do português utilizado:
“Faço saber
etc., que por me ser presente o grau de excesso e demasia com que dalgum tempo
a esta parte se continua, assi nesta Corte como no Reino com notório escândalo
o trato e amizade ilícitas, com religiosas, violando uns sua clausura, com fim
desonesto (de que há poucos anos chegarão a público alguns casos nos juízos
eclesiásticos e seculares) e outros continuando nas grades dos conventos com
trato e amizade indecentes etc.”.
Continuando nesse mesmo diapasão, torna-se de bom alvitre levar ao
conhecimento do leitor, que a entrada em mosteiros para encontros amorosos com
freiras, era punida com morte e uma multa de cem cruzados, a ser paga a
Entidade. O rapto de freiras, quando realizado por homens do povo era justiçado
com a punição acima citada, no entanto, se esse delito fosse praticado por um
nobre, o castigo era o degredo para São Tomé e mais tarde para o Brasil.
Introduzindo uma pequena pausa no relato, esse Autor deixa bem claro, que a criação
de leis, em qualquer época, obedece às regras da conveniência, ou está
intrinsecamente ligada à condição social da classe a ser punida. Pois bem, o
pobre era condenado à morte, o rico ao degredo, posteriormente, a apelação da
sentença através de advogados ladinos e o indulto. Sempre foi assim, e destarte
continuará sendo, mesmo em detrimento do conjunto da sociedade e a certeza de
que essa distinção fomenta a impunidade. Continuando com a análise da
trajetória de punições, literalmente, na base de dois pesos e duas medidas, o grande corso e Imperador Francês,
Napoleão Bonaparte, um grande conhecedor da arte da guerra e da fraqueza
humana, formulou a citação seguinte, por sinal bastante significativa nesse
resgate moral: “não há leis possíveis
contra o dinheiro”.
As relações com freiras, mesmo ocorridas fora dos mosteiros eram punidas
com açoites e a multa de cinqüenta cruzados para o convento, caso o delito
fosse praticado por pessoas pobres, sem expressão na sociedade. Nessa mesma
infração, os nobres eram condenados ao degredo na África, por dois anos. Mesmo
debaixo de leis rígidas e repressão severa (pelo
menos em tese e para os menos aquinhoados), os conventos continuaram como
grandes lupanares da época. Sobre isso, o Dr. Tovar de Lemos, reportou-se
magistralmente:
“A
desmoralização do clero erguia por toda a parte clamores intensos, sendo
principalmente nos claustros das ordens religiosas que se encontravam a maior
relaxação”.
Outro pesquisador do assunto, o Sr. Coelho da Rocha, é bastante enfático,
registrando para conhecimento da posteridade, que:
“...estava
esquecida a obrigação dos votos e a disciplina das regras, pois nem ao menos
eram respeitadas as leis do decoro”.
Além de refúgios discretos para as
amantes de príncipes e nobres, os conventos também funcionavam como asilos,
abrigando filhas de mães solteiras. O astrônomo Galileu Galilei teve filhos e
um relacionamento informal com uma mulher veneziana, por doze anos. Negando-se
a desposar a companheira seguiu a tradição da época, internado as filhas nessas
Entidades. O convento de Lorvão, em Portugal, na época em que era dirigido pela
abadessa D. Filipa d’Eça, abrigava em suas dependências, 170 freiras, entre
professoras, noviças e conversas, a maior parte nascidas na própria Instituição.
Na obra de sua autoria, História do
Portugal, o escritor Pinheiro Chagas registra um testemunho valioso, sobre
a desmoralização religiosa no século XV:
“Do mosteiro
do Recião era abadessa D. Clara Fernandes, filha do Conde de Marialva. Não
sabia ler nem escrever e fora o pai que a colocara naquele convento. Dizem os
documentos, que dormia carnalmente com quem lhe aprazia e em especial com
Álvaro de Alvellos de quem tinha filhos. Outra sua companheira Maria Rodrigues,
era pública e notoriamente amante do abade de Melcões de quem tinha também filhos”.
Encerrando o assunto, torna-se
obrigatório levar a público, no sentido de se proporcionar ao relato histórico,
uma trajetória imparcial e honesta, uma referência ao conteúdo explosivo da
correspondência atribuída a Mariana Alcoforado, um libelo contundente do erotismo
conventual no século XVII, até nas províncias remotas. O requintado harém, que
o rei João V mantinha no convento de Odivelas, é uma radiografia autêntica,
embora grotesca, da devassidão monástica no transcorrer dos séculos. O
aviltamento dos costumes foi tamanho, que virou sátira entre a plebe. O
escritor Tovar de Lemos registra no trabalho de sua lavra: A prostituição, que existiam casas de entrevistas chamadas Mosteiros,
cujas donas tinham
título de Abadessa, aceitando
recompensa dos fregueses do seu “convento”.
Essas alcunhas eram um inegável
deboche, a conduta das comunidades religiosas. AMÉM!