segunda-feira, 22 de agosto de 2011

LUPUS ET AGNUS, NÃO... LOBO VERSUS LOBOS!




O futuro nunca foi obra do destino, uma vez ser moldado no dia-a-dia de cada um, representando um somatório de erros e acertos pela vida. No ensaio presente são confrontadas as trajetórias de dois homens públicos, dentro duma premissa sobejamente torta mas real, onde e sem sombra de dúvida: a ocasião faz o ladrão, sim senhor! Para este Autor, Pierre Clergue não é vítima, tão pouco mártir do cristianismo, ou de qualquer coisa nessa vida. Ele, simplesmente foi um homem depravado que não conseguiu (talvez nem tenha tentado) controlar, ou mesmo conter a personalidade monstruosa que trazia consigo. Quiçá, não desautorizou o lobo voraz que lhe atormentava as longas noites em claro, ameaçando com veemência abandonar a pele de cordeiro, e como todo predador ir à caça. Afora as questões íntimas era um bom conselheiro e cidadão exemplar; magro e de boa estatura, bem afeiçoado e fluente, procedente de uma família tradicional e pároco na aldeia de Montaillou, na região do Longuedoc, na França do século XIV, em plena escuridão da Idade Média. Envolvido com paroquianas, no desempenho das tarefas inerentes a tão importante cargo pressentiu de repente, que o sexo estava em todo lugar, principalmente no seu corpo, e que pretendia proporcionar àquelas ovelhas desgarradas ou não, algo mais que o gozo celestial, ou resumindo: uma boa dose de prazer carnal

O celibato que lhe fora imposto pela Igreja além de nocivo ao organismo humano castrava de forma perversa a única oportunidade que o homem tem de chegar a deus (a divindade é amor), que é pela fusão dos sexos, pela entrega total entre um homem e uma mulher. Na condição de um bom herege, pois embora um padre católico comungava dos preceitos albingenses, Pierre não conseguiu um outro catalizador (até porque não existe) para o imponderável turbilhão de hormônios que revolucionava seu corpo jovem. E aí foi à luta, não houve jeito, transformando-se de um manso pastor, num caçador impiedoso, no precursor do personagem gaiato e atualmente conhecido como “abatedor de lebres”. O sexo reprimido por um longo período veio à tona numa enxurrada violenta e o sacerdote perdeu o controle sobre si, talvez de forma premeditada, deflorando adolescentes em celeiros, sobre o feno, ou transformando igreja e sacristia no “motel” dos seus sonhos. 

Na perseguição e chacina dos cátaros a conduta do padre Clergue veio à “superfície”, inclusive com as ressalvas sobre pecado, a importância do segredo da confissão e o que era bom, ou pior para São Pedro, ou o próprio deus. Por ocasião da instalação do “santo” Ofício em Montaillou, algumas de suas amantes, como a viúva e castelã da aldeia, Beatrice de Planusole depois de muita ameaça e artifícios mirabolantes empregados pelos inquisidores forneceu detalhes sobre diálogos sórdidos, todavia, comuns nos encontros amorosos e às escondidas, entre pessoas sedentas pela libido. Depois de marchas e retrocessos o sacerdote foi encarcerado e faleceu misteriosamente no calabouço, em 1321. Enterrado como um cristão, todavia, em 1329 sua família foi obrigada a exumar-lhe os ossos que foram queimados numa fogueira inquisitorial, num autêntico caso de justiça póstuma em total respeito a uma lei reta de um deus justo, e de juízes terrenos em perfeita sintonia com os preceitos divinos. Pierre Clergue foi enfim punido ou justiçado, assim como manda a Santa Madre Igreja em seus ditames.

         Por ocasião do início do século XIV, a “santa” Inquisição seguia célere e altaneira fazendo vítimas, onde se fazia necessitar. Na maioria dos feudos os camponeses pouco entendiam dos rituais católicos, pois as missas eram rezadas numa língua que eles não falavam, enquanto os padres ordenavam tudo o que era pra ser feito. Para esses, que constituíam a grande maioria, a Igreja era simplesmente uma série de leis que eles tinham de obedecer e impostos para pagar, religiosamente, ou forçosamente? Nesse intervalo sofrido muitos sacerdotes ambiciosos pressentiram que poderiam fazer o próprio nome e fortuna, participando da Inquisição, na opinião deste Autor, uma espécie de multinacional da tortura, e desfrutando de suas benesses.
      
       Jacque Furnier, um religioso formado em Paris e ordenado bispo em 1317 foi um desses aventureiros privilegiados, além de metódico e oportunista ao extremo. Por tudo isso, e na perseguição de um grande objetivo reabriu a Inquisição em Montaillou, no período de 1318 a 1325, ou dez anos depois da primeira investida, com um olho no presente e a mente no futuro, seu e de sua Igreja. Uma vez que da prisão e interrogatório ninguém escapava, o padre Pierre Clergue, pessoalmente amedrontava suas vítimas com o fogo do inferno, caso revelassem aos inquisidores o relacionamento mantido com o mesmo, por ocasião de noites inolvidáveis, na sacristia e no interior da própria igreja. O inquisidor Furnier queria descobrir urgentemente a heresia, aliás, uma fixação doentia que obrigava a esses senhores procurarem chifre em cabeça de cavalo. Por isso fazia seus escribas anotarem todos os detalhes daquilo que diziam os aldeões que depunham e também fazia questão de interrogá-los sobre todos os aspectos de suas vidas. Se uma mulher amedrontada incorresse na fraqueza de relatar alguma intimidade, ou ocorrência de foro íntimo, aí ele se esmerava ao máximo no detalhamento da questão, satisfazendo, talvez um instinto mórbido guardado a chave no recôndito de sua mente podre. 

        O interrogado sofria misérias, a fim de contentar o perfeccionismo doentio de sua curiosidade, nesse caso totalmente particular e literalmente distanciada do universo em questão. No final dessa autêntica maratona e saciando a sua performance de um prendado torturador do corpo alheio e do espírito coletivo, o bom Furnier queimou na fogueira, apenas cinco infelizes inocentes. O padre Pierre Clergue foi enfim descoberto, preso como herege, e talvez se suicidou no cárcere. Conforme antecipado acima, seus ossos foram queimados numa fogueira redentora, ou justiçado à morte depois de morto, um fato bastante comum na intolerância da Inquisição. A condenação de Clergue por Furnier foi um caso típico do sujo e do enlameado. Dois anos antes desse acontecimento inusitado e lúgubre, ou seja, em 1327, Jacque Furnier tornou-se cardeal e, sete anos mais tarde foi eleito papa, tomando o nome de Bento XII. Aleluia irmão!

No entanto, na sua corrida cíclica a história da vida humana é uma autêntica caixa de surpresas, demonstrando não importa a que tempo, a hipocrisia e a verdadeira personalidade do homem perverso e degenerado, escondida sob mil disfarces, ou maquiada por espessa camada de cosméticos. No conceito deste Autor, e através do registro contido no trabalho de Jaime Brasil, História da Prostituição, fica claro que Pierre Clergue não era muito diferente de seu colega de batina e dedicado inquisidor, Jacque Furnier, congnominado mais tarde de Bento XII. A grande diferença que marcou a carreira desses abnegados sacerdotes da Igreja de Cristo na terra, é que o primeiro deslanchou no sexo ainda novo, na plenitude hormonal, enquanto o outro ingressou nessa seara na velhice, sob o fantasma ou os efeitos da andropausa. No quesito referente ao poder, ambos usufruíram do cargo, utilizando-se das prerrogativas do múnus na obtenção de favores, ou implementação de suas taras sexuais. Santa gandaia... [...] pois não existe outra definição! 

Qual dos dois foi mais lépido ou cínico, na quebra do celibato e no assédio às mulheres, o leitor poderá decidir calmamente, no entanto, no conceito deste Autor, Furnier foi alguns centímetros mais devasso, em face da idade, do método de ataque, da posição ocupada e da meninice da vítima escolhida. Talvez não valesse a pena analisar-se um epílogo tão asqueroso, entretanto, em se tratando de um registro histórico, não é justo tapar o sol com a peneira, crucificando apenas a miséria de Pierre Clergue, e ignorando a luxúria incontrolável de Jacque Furnier, em face a tiara papal e, principalmente, porque a Igreja nunca errou nem jamais errará, como a Escritura testifica. É muita petulância! Na qualidade de papa e representante de Cristo, ele, salvo um melhor juízo encarnava a Igreja Católica Apostólica Romana (e comportou-se vilmente), confira.

Segundo um relato de Jerônimo Squarciatico, o mais antigo biógrafo do poeta Petrarca: “Quando esse vate, juntamente com o irmão Gerardo e a jovem e bela Selvaggia residiam na cidade de Avinhão, durante o Cativeiro Babilônico da Igreja, Bento XII ocupava a cadeira pontifícia, ou a tiara papal. Um dia o papa deparou-se com essa menina de rara beleza e desejou ardentemente possuí-la (carnalmente). O papa encontrara os cofres da Entidade atulhados de dinheiro e outros valores, supondo dentro da lógica de um momento ilógico, que tudo nessa vida tinha um preço, cedendo, portanto ao poder do ouro. Posteriormente, Napoleão Bonaparte afirmou e a vida tem provado, ‘que todos são sensíveis a percentuais’. Bento XII convocou Petrarca, solicitou-lhe os favores da irmã prometendo em troca a função de cardeal. Mas o poeta indignado recusou a ignóbil oferta, respondendo que nunca aceitaria tal posto em troca da infâmia, repelindo a proposta papal como ofensa. Irritado com a negativa, o papa acionou a Inquisição e denunciou Petrarca, como herético. Antevendo o desfecho e na certeza de que o pontífice corrupto o condenaria à morte fugiu de Avinhão, recomendando insistentemente ao irmão, que vigiasse a querida Selvaggia. Todavia, o miserável Gerardo, não ficou insensível às grandes riquezas oferecidas por Sua Santidade e entregou-lhe a irmã. Uma noite, enquanto dormia foi transportada para o leito do papa; tinha apenas dezesseis anos... As lágrimas, os suspiros da virgem deram apenas como resultado excitar ainda mais a paixão do velho libertino. Selvaggia implorou piedade, mas em vão”

À vida desses degenerados e controvertidos pastores de deus e da Igreja, o Autor acrescenta a citação clara e oportuna do escritor e economista Ernest Mandel, Não foi o indivíduo que causou o desastre da classe, mas, antes, a classe que impediu o indivíduo de agir com êxito”.



NOTA: O ensaio acima faz parte do livro A Construção do Mito (540 páginas), Volume II da trilogia Jesus e o Cristianismo, a venda pelo email: josepereiragondim@hotmail.com  

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